Foi amplamente noticiada a criação pelo governo federal de um grupo de trabalho composto por ministros, desembargadores e juízes para propor nova rodada de mudanças nas leis trabalhistas conforme dispôs a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Não se tem notícia da presença de advogados ou sindicalistas representando sindicato patronal e sindicato de empregados. Silêncio eloquente.
A ideia central é a reforma sindical e não será surpresa pelo perfil de alguns dos integrantes da comissão, um aprofundamento de medidas na mesma toada da reforma trabalhista.
Com a reforma trabalhista de 2017 e a Medida Provisória 387/19, além das medidas que afetaram o direito material e os obstáculos processuais impostos aos empregados para acessarem a Justiça do Trabalho, também foi extirpado o imposto sindical obrigatório e totalmente proibido o seu desconto em folha, sendo permitido apenas o pagamento de contribuições ao sindicato por meio de boleto bancário.
Em que pese a controversa MP 387/19, o fato é que o Brasil não resolveu o que é mais importante para amadurecimento das relações de trabalho, ou seja, não resolveu a representação sindical. Pelo contrário, deixou o sistema manco.
No Brasil, até hoje, temos um modelo corporativista que nasceu com a criação da CLT no Governo de Getúlio Vargas, porém muito modificado no decorrer dos anos. Getúlio Vargas, com inspiração no fascismo, enxergava na Consolidação uma forma de unir harmonicamente capital e trabalho em prol do desenvolvimento da nação. Assim como Mussolini acreditava que não deveriam ocorrer conflitos nesta relação em prol de uma grande Itália.
Por isso havia a presença do Estado dentro dos sindicatos, que exercia, na prática, o controle destes entes. Essa era a tal inspiração fascista citada por muitos, mas apenas presente na CLT original e hoje inexistente.
Com o passar dos anos o Estado deixou de controlar os sindicatos, e já na Constituição de 1988 não havia mais a necessidade de autorização do governo para a criação de sindicatos.
Porém, restou a unicidade sindical, e apenas um sindicato pode representar uma categoria conforme artigo 8º da Constituição. O texto constitucional veda a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município.
Comparativamente, nos Estados Unidos, a base de negociação coletiva ocorre por meio de um sistema contratualista, com a livre concorrência entre sindicatos e a possibilidade de os trabalhadores também livremente se associarem.
Por lá, se por um lado o sistema de negociação é privado e contratualista, contrapõe-se ao modelo o interesse público e a prevalência dos interesses do empregador. Ou seja, caso seja de interesse econômico, a empresa poderá até mesmo substituir os trabalhadores (NLBR v MacKay Radio and Telegraph Company, 304 U.S 333, Gacek, Gomes, 1994).
O empregador norte-americano pode, por lei, assegurar o reconhecimento de um sindicato, se, a metade mais um dos trabalhadores da unidade de negociação autorizarem a organização sindical a representá-los para fins de negociação coletiva (Gacek, Gomes, 1994)
A negociação coletiva ganhou importância com a crise de 1929. Ocorre que a linha de produção capitalista inspirada no fordismo colidiu de frente com a desidratação das relações de emprego do início do Século XX. Não há desenvolvimento econômico sustentável sem a existência de empregos mais sólidos e protegidos.
Por isso, foi criada a Lei Nacional de Relações Trabalhistas de 1935 (49 Stat. 449) 29 U.S.C. § 151–169, conhecida como Wagner Act, uma vez que surgida por iniciativa do senador de Nova York Robert F. Wagner.
A Lei Wagner é o fundamento básico do direito coletivo do trabalho norte-americano e trata da criação de sindicatos, participação de acordos coletivos, direito de greve, dentre outros.
A Lei também criou o National Labor Relations Board (NLRB), que é uma agência independente do governo Norte-Americano. Ao órgão é atribuída a responsabilidade de verificar práticas trabalhistas que podem envolver situações coletivas e individuais.
O NLRB é composto por um conselho de cinco pessoas e um conselheiro geral, todos os quais são nomeados pelo presidente com aprovação do Senado. Os membros do conselho são nomeados para mandatos de cinco anos e o Conselho Geral é nomeado para um mandato de quatro anos.
O Conselheiro Geral atua como promotor e o Conselho atua como um órgão quase judicial recursal a partir de decisões de juízes de direito administrativo. O NLBR tem ainda mais de 30 escritórios regionais e sub-regionais nos EUA.
Mas o modelo norte-americano não é tão fácil de entender e sua estrutura não é o laissez faire como alguns poderiam equivocadamente supor.
O próprio regulamento processual do NLBR pode deixar atônitos aqueles que reclamam da legislação brasileira. De fato, não deve ser uma boa experiência responder a uma processo administrativo norte-americano diante da extensão das regras.
Não se pode deixar de mencionar que ainda existem leis e precedentes dos tribunais norte-americano em todos as esferas: Federal, Estados e Municípios. É da natureza dos EUA a descentralização para os Estados.
E mais, grandes acordos extrajudiciais ou mesmo judiciais são realizados por meio das class actions com a adesão de centenas ou milhares de pessoas, o que pode tornar muito caro o sonho do empreendedor que por lá se aventure. Se por aqui ganhar dinheiro com processo é pecado (v. teoria do enriquecimento sem causa), nos EUA há os punitive damages, indenizações muitas vezes milionárias para os descumpridores de leis e dos precedentes dos tribunais.
Em síntese, são as características norte-americanas de relações do trabalho.
No Brasil, recentemente, convivemos com a alteração de cerca de cem artigos do texto celetista com a Lei nº 13.467/17, denominada “reforma trabalhista”. Em 2019, foi aprovada no Congresso a MP 881, conhecida como MP da “Liberdade Econômica”, com a inserção em seu texto de mais cinquenta modificações na legislação trabalhista. Destaque-se que a Lei nº 13.467/17 trouxe o princípio do “negociado sobre o legislado” e propõe a abstinência de intervenção estatal nas relações de emprego.
Porém, tantas intervenções estatais, com mais de cento e cinquenta normas criadas pelo Estado desde 2017, demonstram que o princípio do legislado sobre o negociado está muito distante das relações de trabalho. Muitas normas e alterações na legislação do trabalho mais complicam as relações de trabalho do que ajudam. O legislador precisaria se abster de legislar sobre relações de trabalho individuais e aprofundar a reforma sindical.
O Brasil poderia optar por um sistema híbrido, que agregue em parte o sistema corporativista, e em outra parte o contratualista. Para tal, deveria reformar o sistema sindical, uma vez que levará anos para que esse novo sistema amadureça. Mas cuidado aqui! Porque, inspirando-se na concorrência entre entes sindicais, poderão surgir os sindicatos de fachada criados para representarem empregados mas a serviço da parte empregadora. Se houver alteração, que seja realmente nos moldes liberais.
Mas algo já é certo: os tempos são outros e a velha estrutura sindical está morta.