Sobre monstros e androides

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Eu vi coisas que vocês não imaginariam. Naves de ataque em chamas ao largo de Órion. Eu vi raios-C brilharem na escuridão, próximos ao Portal de Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer.

Esta é a frase final do replicante Roy Batty em Blade Runner, de 1982, dirigido por Ridley Scott, com Harrison Ford e Rutger Hauer, dentre outros ótimos atores e atrizes deste longa-metragem. O filme é baseado no livro: “Os androides sonham com ovelhas elétricas? ” (1968), de Philip K. Dick.

Vejamos a cidade de Los Angeles chuvosa no ano de 2019, carros voadores, ciberespaço, inteligência artificial; percebermos que eventos como mudança climática, automação e algoritmos, distancia o livro de 1968 ou mesmo o original de 1982, mas os trazem para nossos tempos.

Talvez essa proximidade da realidade não vista em clássicos como 2001 – Uma odisseia no espaço ou Matrix, seja o que mais assusta.

Não foi diferente em Frankenstein, de Mary Shelley, com  sua primeira edição em janeiro de 1818.

No ano de 1816, no chamado “ano sem verão”, os poetas Lord Byron e Percy Bysshe Shelley, acompanhados de John Polidori, conhecido como médico de Byron;   Claire Clairmont, filha de intelectuais ingleses, e sua irmã de criação, Mary Wollstonecraft Godwin, companheira de Percy Shelley, estiveram juntos por várias semanas chuvosas, restando, portanto muito tempo livre para criação e conversas.

Naquelas semanas, Shelley foi instigada por Lord Byron a escrever uma obra sobre fantasmas. Assim nasceu o livro Frankenstein, uma obra escrita no limiar da industrialização e das descobertas dos séculos XIX e XX.

Em comum entre Blade Runner e  Frankenstein: a angústia vivenciada entre criador e criatura: Se não posso inspirar amor, causarei medo, e principalmente a você, meu arqui-inimigo, que por ser meu criador, juro odiar sem trégua. Assim, jurou Frankenstein ao criador.

Todavia, não parece que o Brasil sofrerá com essa angústia narrada  nestas obras. Assim como não ocorreu na Revolução Industrial, também não teremos esse dilema no novo processo produtivo global, apenas sofreremos, como já sofremos, as consequências deste novo mundo.

Está escancaradamente claro o desbalanceamento produtivo no mundo que baniu o Brasil a mero país agrário, mais uma vez, e com nossa participação. Todo o esforço realizado desde muitos anos, mais precisamente com maior intensidade desde o governo Vargas restou perdido.

Desde aproximadamente 1990 o Brasil teve governos e empresas sucumbentes no processo de globalização; quanto mais o trabalho ficava tecnológico e dependente de estudos mais complexos, mais o país perdia competitividade e empregos, além de empresas.

Desta maneira, contando o Brasil com milhões de trabalhadores sem capacitação para esses novos tempos, estes quedaram-se como primeiras vítimas dos processos tecnológicos no trabalho. Os processos mais simples foram os primeiros e mais fáceis a serem substituídos por robôs e automação.

Ainda no começo da década de 1990 o Presidente Itamar Franco fazia renascer o automóvel VW Fusca, e com ele, foram chamados trabalhadores já aposentados, uma vez que a linha de produção deste carro necessitava de muita intervenção humana. Observe-se nosso devaneio de desenvolvimento.

No texto constitucional há o dispositivo que garante proteger o trabalhador dos efeitos da automação. A Carta é de 1988, jamais preveria que o máximo possível que conseguiríamos seria integrar o trabalhador no processo de automação, mas que seria inócuo tentar protegê-lo.

Fala-se em reindustrializar o Brasil. Trazer indústria 4.0 para o Brasil é um processo que necessitará de uma geração inteira que está ainda hoje na primeira infância. Ou seja, seria necessária uma ótima educação desde agora, além de investimentos em produção industrial que independam do Estado. É quase uma quimera. Não tivemos nem tablets, redes e wi-fi para alunos da escola pública durante a pandemia da Covid-19, quiçá teremos uma educação para competir com os tigres asiáticos.

Vimos na pandemia as ruas das grandes cidades brasileiras repletas de esforçados entregadores com motos e vans; sem vínculo de emprego, realizam um trabalho mecânico que será substituído por máquinas em breve.

Há duas máximas no neoliberalismo presente: vender mais e gastar menos. Não importa se pessoas ficarão sem trabalho. É autofágico, ao certo, porque as pessoas desempregadas também não serão consumidoras. É um círculo perverso de perpetuação da miséria.

Se éramos agrários com cana de açúcar, borracha e café, agora somos grandes produtores de soja, gado, porco e frango. É mesquinho, claro! Aqui temos elites agrárias, financeiras e da burocracia que nunca deixarão o país ser diferente do que sempre foi.

Reindustrializar o Brasil em tempos de Blade Runner?  Se algum dia isso ocorrer, será um processo de longo prazo, de ruptura e doloroso, e não será a solução imediata para nossos tempos de penúria e miséria.

 

 

 

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SOBRE MIM

Cassio Faeddo

Cassio Faeddo

Advogado. Mestre em Direito. MBA em Relações Internacionais FGV SP

Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

Especialista em Direito Público internacional e Relações internacionais.

Professor universitário desde 1998 tendo lecionado nas Faculdades Hebraico Brasileira Renascença, Anhembi-Morumbi, Unibero e Centro Universitário SENAC.

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